28 de fevereiro de 2013

Election (Eleição–Submundo do Poder/2005)

election Habemus Papa: Ritual de iniciação da Sociedade Wo Sing.

As tríades são organizações criminosas instaladas em Hong Kong e Macau com ramificações em outros países onde há grandes colônias de imigrantes chineses. Tal qual a Máfia italiana, a história das tríades são cercadas por uma aura de mistério e fascínio. Existem diversas versões sobre a origem das tríades, sendo a mais antiga datada do século XVII onde cinco monges shaolin juraram restaurar a Dinastia Ming e formaram a Tríade dos Cinco Anciãos. Election documenta os rituais da tríade mais tradicional: a “Sociedade Wo Sing”.

Election é um dos filmes de Johnny To mais celebrados  pelos críticos ocidentais. O diretor recria os rituais de eleição do presidente da tríade “Sociedade Wo Sing” com um realismo documental.Os ritos de iniciação também são recriados o que releva a mística que envolve a organização, cujas tradições receberam influências taoístas e budistas.Tanto que o filme recebeu classificação Cat-III que proíbe menores de 18 anos a assistir por se enquadrar em apologia a organização criminosa.

Além de explorar o fascínio que as tríades exercem sobre a sociedade, sendo um dos gêneros mais populares da indústria cinematográfica local, Johnny To conta uma formidável história sobre luta pelo poder. É tempo de eleição e a Sociedade Wo Sing tem dois candidatos disputando pela presidência da tríade: Lam Lok (Simon Yam) e Big D (Leung Ka-Fai). Lok é o candidato preferido de Uncle Teng, membro mais sênior, para a fúria de Big D que gastou uma fortuna com subornos gerando um impasse na eleição.

Simon Yam retrata bem o sereno Lok. Mas quem rouba a cena mesmo é Leung Ka-Fai com seu impulsivo Big D. Sua sede por poder o faz tomar todo tipo de atitude, onde os meios justificam os fins. O embate entre os dois vai ganhando contornos dramáticos, se transformando numa corrida pelo artefato que simboliza o poder do chefe da tríade, um bastão de madeira em forma de um dragão. A polícia sob o comando do Superintendente-Chefe Hui (David Chiang) entra em ação prendendo os líderes da Sociedade Wo Sing com o objetivo de que a disputa seja resolvida sem sangue.

Porém entra em ação os peixes miúdos da facção. Sem usar nenhuma arma, as sequências de lutas são de um realismo brutal. Como exemplo, temos a cena em que Kun (Gordon Lam) espanca Big Head (Lam Suet) com uma tora de madeira para no final descobrir que estão do mesmo lado. Dentre os personagens secundários, o destaque fica para Louis Koo como Jimmy. Famoso por suas péssimas atuações, mas que não arranham em nada sua popularidade, seu leal personagem é um ponto de inflexão em sua carreira. Novamente, Johhny To mostra seu talento em extrair o melhor de atores medianos.

Se existe algum filme digno de comparação com O Poderso Chefão de Coppola, certamente é Election. Johnny To conduz a trama de forma soberba, mesmo com o resultado da eleição sendo definida na primeira meia hora de filme sem falar que em um terço do filme, os personagens principais passam na prisão. Ademais a cena final é arrebatadora. Se existe alguma falha é o arco final que desenvolve os eventos em um ritmo muito rápido, mesmo não comprometendo a experiência do filme como um todo.

Hong Kong feelings: 4,5/5

Título original: 黑社會 (Hak Se Wui)

Diretor: Johnnie To Kei-Fung

Elenco: Simon Yam Tat-Wah, Tony Leung Ka-Fai, Louis Koo Tin-Lok, Wong Tin-Lam, Lam Suet, Eddie Cheung Siu-Fai, Nick Cheung Ka-Fai, Gordon Lam Ka-Tung, Maggie Siu Mei-Kei, David Chiang, Berg Ng Ting-Yip, You Yong, Tam Ping-Man, Wong Chung, Chan Siu-Pang, Yuen Bun, Raymond Wong Ho-Yin.

21 de fevereiro de 2013

Days of Being Wild (Dias Selvagens/1990)

daysofbeingwild York (Leslie Cheung) seduzindo Su Li-Zhen (Maggie Cheung)

Em seu segundo filme, Wong Kar-Wai apresenta o tema que viria a ser universal em sua filmografia. Apesar de não ser tão elegante quanto In the Mood for Love ou tão envolvente quanto Chungking Express, Days of Being Wild é um filme para ser visto por qualquer fã do diretor. Porém a obra é também uma das mais inacessíveis.

A primeira parte do filme acompanhamos o triângulo amoroso. Leslie Cheung interpreta York, aparentemente um bon vivant que vive em uma Hong Kong da década de 60. Com sua beleza, ele arrebata os corações de Su Li-Zhen (Maggie Cheung) e de Leung Fung-Ying (Carina Lau). Relógios são filmados insistentemente para nos lembrar do quanto aqueles personagens sofrem com a solidão enquanto esperam pelo amor. Porém York é alguém incapaz de amar. Seu sofrimento também é causado pelo amor, no caso pela falta, mas que somente é revelado muito depois.

Certamente, o personagem York definiu a carreira de Leslie Cheung. Seu fascinante retrato da alma tortuosa e perdida de York provavelmente é sua melhor interpretação da carreira.Temos fortes atuações das personagens femininas. Maggie Cheung interpreta a tímida Su Li-Zhen enquanto Carina Lau interpreta a burlesca Leung Fung-Ying. Rebecca Pan interpreta a mãe de York, que depois descobrimos se tratar da madrasta. Andy Lau está soberbo como o policial Tide. Sem seus habituais e irritantes maneirismos, seu policial consegue ser tão fascinante quanto o personagem principal. Fazendo parte dessa salada de personagens ainda temos Jacky Cheung interpretando Zeb, melhor amigo de York.

Uma característica que falta a obra, mas presente em filmes seguintes, é a completa dissecação que Wong Kar-Wai realiza nos personagens. O diretor abusa das sequências contemplativas, mas é econômico no uso de narrações em off cujo o objetivo é de revelar não somente o que se passa na mente de cada personagem mas o estado de espírito deles. Tal distanciamento dos personagens é agravado pela total ausência de uma trama que conduza as cenas, o que é uma marca registrada do diretor, e provoca uma certa alienação exigindo um esforço maior para poder compreender as ações de cada um e suas consequências.

Days of Being Wild carece de vários elementos que fazem Wong Kar-Wai se distinguir de outros diretores artísticos. Porém há diversas sementes do que se transformaria em um estilo de direção sem igual. O filme também representa o início da parceria que duraria décadas com o diretor de fotografia Christopher Doyle. A atmosfera da obra é predominantemente depressiva. A tonalidade sombria das cenas se encaixam perfeitamente com a solidão dos personagens. Essa composição de emoções é banhada por uma trilha sonora impecável.

A cena final contendo uma aparição relâmpago de Tony Leung servia de gancho para uma sequência. Porém esta nunca aconteceu devido ao fracasso de bilheteria.

Hong Kong feelings: 3,5/5

Título original: 阿飛正傳 (Ah Fei Jing Yuhn)

Diretor: Wong Kar-Wai

Elenco: Leslie Cheung Kwok-Wing, Andy Lau Tak-Wah,Maggie Cheung Man-Yuk, Carina Lau Ka-Ling,Jacky Cheung Hok-Yau, Rebecca Pan, Tony Leung Chiu-Wai.

17 de fevereiro de 2013

School on Fire (Escola em Chamas/1988)

SchoolonFire

School on Fire é o terceiro filme da série “on Fire”. Ringo Lam dirige este melodrama ambientado numa escola de ensino médio do subúrbio de Hong Kong. Uma colegial testemunhou um acerto de contas da tríade. Incentivado pelo seu professor e pressionado pela polícia, ela depõe sobre o incidente para a fúria do chefe da tríade.

O diretor constrói uma história intensa e absurdamente depressiva. Depois de testemunhar, Chu Yuen-Fong (Fennie Yuen) passa a ser ameaçada por Brother Smart. Ele a obriga pagar HK$30.000,00 como compensação pelos custos legais para livrar os comparsas presos por conta de seu testemunho. A partir daí ocorre uma série de eventos que desemboca em um final cheio de violência e sangue. As situações são um tanto quanto exageradas porém são contrabalanceadas por uma ambientação  realista.

Além da trama principal, existem outras subtramas, que se entrelaçam com a principal, ajudando a enriquecer o filme. Inspetor Hoi (Ching-Ying Lam) tem consciência da impotência da polícia em combater a tríade, pois esta se instala onde exatamente existe um vácuo das instituições. No entanto, ao invés de se corromper, Hoi tenta executar a lei até onde o seu poder lhe permite. Já Professor Wan (Damian Lau) também sofre com a influência negativa da tríade na escola. Apesar de ser a bússola moral, Wan se sente impotente diante de um sistema quebrado. O pior é seu sentimento de fracasso ao ser incapaz de inspirar seus alunos, incluíndo Chu Yuen-Fong, a serem cidadãos de bem.

Apesar de Ringo Lam escalar um elenco pouco estelar, as atuações são muito boas. Fennie Yuen demostra talento ao encarnar a protagonista do filme, porém em diversos momentos faltou-lhe intensidade para que pudesse transformar Chu Yuen-Fong em uma personagem marcante. Roy Cheung parece ter sido elegido pelo diretor para interpretar antagonistas. Dessa vez ele é um jovem chefe de tríade que é um verdadeiro filho da puta. Mas fica claro que se ele não fosse assim, perderia o respeito de seus subordinados.

O filme tem uma trama muito boa, mas peca pela falta de personagens marcantes. Os vários personagens são interessantes, mas a falta de foco prejudica o desenvolvimento deles. O maior prejudicado é a protagonista Chu Yune-Fong, pela dificuldade de se engajar emocionalmente com a personagem. Ainda sim, Ringo Lam consegue ser envolvente prendendo a atenção do expectador até o violento final.

Hong Kong feelings: 3,5/5

Título Original: 學校風雲 (Hok haau fung wan)

Diretor: Ringo Lam Ling-Tung

Elenco: Fennie Yuen Kit-Ying, Roy Cheung Yiu-Yeung, Damian Lau Chung-Yun, Lam Ching-Ying, Sara Lee Lai-Yui, Tommy Wong Kwong-Leung, Ho Ka-Kui, Ng Chi-Hung, Amanda Lee Wai-Man.

12 de fevereiro de 2013

Chinese Odyssey (Odisséia Chinesa/2002)

chineseodyssey Sob as pétalas de uma pessegueira Tony Leung e Faye Wong são uma só alma.

No Festival Lunar se comemora a passagem do ano novo. É tradição do cinema de Hong Kong lançar filmes de comédia romântica nesse período. Chinese Odyssey é um raro filme comercial produzido pela produtora de Wong Kar-Wai, famoso por filmes mais artísticos, em parceria com seu amigo Jeff Lau. O resultado é hilário e surpreendente.

O filme se passa em algum período da China Medieval. O princípe (Cheng Che) e a princesa (Faye Wong), cansados da vida palaciana, decidem fugir do rígido controle da Rainha (Rebecca Pan). O principe acaba sendo capturado, mas a princesa consegue fugir. Vestida como um andarilho, a princesa chega até um vilarejo onde conhece Ah Long (Tony Leung), temido pelos moradores locais, e sua irmã Phoenix (Vicki Zhao), dona de uma estalagem. A partir daí começa uma série de cenas hilárias, com diversos elementos caracaterísticos do humor chinês como, por exemplo, situações envolvendo a troca de genêros. No primeiro encontro entre a princesa e Ah Long, ela é confundida com um homem e o rapaz fará de tudo para que ela se apaixone e se case com sua irmã Phoenix.

Para os que se apaixanoram com a dupla em Chungking Express, poder rever os dois atuando juntos é mais do que especial. A química dos dois se manteve intacta durante todo esse tempo. Tantos nas cenas de comédia quanto nas cenas mais românticas, os dois mostram formidável sintonia. Temos ainda a breve participação de Roy Cheung, cujo guerreiro Liangshim é responsável por oferecer algumas entretidas lutas de artes marciais. Outra aparição especial é de Athena Chiu como a enigmática Amour Amour.

Para aproveitar 100% o filme é necessário ter assistido pelo menos um filme de Wong Kar-Wai. Tanto o produtor quanto o diretor fazem piadas de si mesmos, como as diversas cenas contendo comentários em off, recorrentes nos personagens de Wong, sobre trivialidades ao invés da instropecção. Existem também referências à A Chinese Odyssey, filme homônimo que conta a jornada do Macaco-Rei e que foi dirigido por Jeff Lau, além de muitas outras piadas relacionadas a diversas obras dos dois.

Chinese Odyssey é um típico filme de comédia romântica feita para o Festival Lunar, com seus protagonistas buscando seu amor verdadeiro em meio a situações hilárias. Porém a parte final toma um caminho completamente surpreendente, ao explorar o tema com uma profundidade incomum. O humor tolo se evapora e temos um filme único. E essa transição funciona perfeitamente, graças à comovente atuação de Tony Leung e Faye Wong.  Mesmo Wong Kar-Wai não sendo o diretor ainda temos uma dose de sua visão ímpar sobre o amor.

Muitas vezes, se uma pessoa ama exageradamente, isto se torna inebriante, Se um odeia por muito tempo, o coração se parte facilmente. Porém, a experiência mais dolorosa na vida é o de ficar esperando.

Hong Kong feelings: 4/5

Título original: 天下无双 (Tianxia Wushuang)

Diretor: Jeff Lau Chun-Wai

Elenco: Tony Leung Chiu-Wai, Faye Wong, Vicki Zhao Wei, Chang Chen, Rebecca Pan, Athena Chu Yun, Eric Kot Man-Fai, Ning Jing, Roy Cheung Yiu-Yeung.

11 de fevereiro de 2013

Bullet in the Head (Bala na Cabeça/1990)

bulletinthehead Amigos ou Inimigos? Waise Lee (esq.), Jacky Cheung (centro) e Tony Leung (dir.)

John Woo foi responsável pela criação e popularização do gênero Heroic Bloodshed (em tradução livre derramamento de sangue heróico). Seus filmes, como A Better Tomorrow e The Killer, o transformaram em um dos diretores de ação mais cultuados do mundo. Porém, em Bullet in the Head o diretor subverte completamente o genêro.

Ainda temos uma aula de como filmar cenas de ação com direito a muitas explosões e muito sangue derramado. A princípio, o trio de personagens são movidos pela amizade. Mas os laços de amizade serão testados assim que os personagens chegam à um Vietnã imerso na violenta guerra civil. A visão de John Woo sobre a Guerra do Vietnã é nada menos que brutal. O diretor não poupa ninguém. Inclusive, Woo ainda acha espaço para criticar o governo chinês em uma cena onde um jovem para diante de um tanque em clara alusão a cena de um jovem solitário parando uma fileira de tanques na Praça da Paz Celestial.

A história começa em Hong Kong, onde conhecemos Ben (Tony Leung), Frank (Jacky Cheung) e Paul (Waise Lee). Três amigos inseparáveis que moram no subúrbio da cidade. Porém depois de um assassinato, Ben passa a ser procurado pela lei. O trio decidem ir para o Vietnã lucrar com a guerra através do contrabando e de outras atividades ilegais com o sonho de um dia voltar a Hong Kong. A primeira parte do filme é fraca, por problemas narrativos ela é mais longa do que deveria ser. O diretor não consegue ser tão efetivo em estabelecer os personagens como em The Killer, por exemplo.

John Woo sempre teve problema em manter as emoções em tom comedido. Porém neste filme, as atuações exageradas se encaixam perfeitamente com o desespero e loucura de uma guerra. Até mesmo a atuação do mediano Jacky Cheung é estupenda. O personagem passional e até certo ponto ingênuo se encaixa como uma luva. Já Waise Lee é um ator completamente oposto, pois possuí muito menos expressividade, encarna perfeitamente Paul, que é alguém que coloca sua ambição acima de tudo. Outro que tem uma atuação fenomenal é Tony Leung. Assim como seu personagem, sua atuação é um ponto de equilíbrio do filme.

Inicialmente o roteiro que deu base ao Bullet in the Head seria usado em A Better Tomorrow III. No entanto, uma briga entre o diretor e o produtor, por conta de divergências criativas, fez com que John Woo abandonasse a franquia e aproveitasse o seu roteiro para filmar Bullet in the Head. O personagem de Simon Yam seria interpretado por Chow Yun-Fat, mas foi uma perda mínima. Como Luke, Simon Yam consegue ser tão carismático quanto Chow Yun-Fat.

O filme é longe de ser perfeito, pois demora para engrenar. Porém uma vez embalado, o filme oprime o expectador com os personagens em meio a guerra lutando para sobreviver.  Sem misericórdia, somos esmagados por um sentimento de angústia e com o desenrolar do filme o sentimento somente se intensifica. Além disso em momento algum Woo nos oferece um esperança, como forma de alívio. Até mesmo, os pombos, um símbolo recorrente em quase todos os filmes de Woo, está ausente em Bullet in the Head. Para os que procuram heroísmo, John Woo nos mostra que em uma guerra o buraco é mais embaixo.

Hong Kong feelings: 4,5/5

Título original: 喋血街頭 (Die xue jie tou)

Diretor: John Woo

Elenco: Tony Leung Chiu-Wai, Jacky Cheung Hok-Yau, Waise Lee Chi-Hung, Simon Yam Tat-Wah, Fennie Yuen Kit-Ying, Yolinda Yan Chor-Sin, Lam Chung, Chang Gan-Wing, Leung Biu-Ching, Bau Hei-Jing, John Woo