7 de dezembro de 2012

As Tears Go By (Carmen de Mongkok/1988)

atgb Andy Lau e Maggie Cheung ao som de Take my breath away.

Muito antes de “ganhar” o status de auteur, Wong Kar-Wai era somente um obscuro roteirista de filmes genéricos. As Tears Go By marca a estreia de Wong Kar-Wai como diretor de um filme. E não poderia ser em outro gênero que não fosse o mais representativo do cinema de Hong Kong.

As Tears Go By é um melodrama cujo personagem central é um membro inferior da tríade interpretado por Andy Lau. Wah é uma pessoa pouco ambiciosa o que reflete em sua baixa posição hierárquica dentro da organização, apesar de ter o respeito dos chefes da tríade. Seu único subordinado é Fly (Jacky Cheung), que se mete em confusão por conta de seu pavio curto. Para piorar Fly tenta sempre provar a si mesmo que é um importante membro da tríade arrumando encrenca com o perigoso Tony (Alex Man), o que leva a Wah sempre salvá-lo das enrascadas.

Paralelamente, Wah conhece sua prima Ngor que veio da Ilha de Lantau para Mongkok consultar um médico. Ao contrário da subtrama formulaica envolvendo Wah e Fly, Wong Kar-Wai demostra seu talento para falar sobre o romance entre Ngor e Wah se utilizando de uma narrativa pouco convencional. Este filme também seja o único da filmografia de Wong onde um roteiro completo foi escrito, o que resulta em várias passagens que são um tanto quanto previsíveis. O modo de trabalho em seus próximos filmes sofreria uma mudança radical com a abolição do roteiro, somente existindo rascunhos de ideias.

Por conta do roteiro, o filme possui uma narrativa bastante linear. As Tears Go By é no fundo um filme convencional, mas nota-se algumas sementes do que se tornaria o estilo de direção de Wong Kar-Wai único. Em algumas cenas é possível observar alguns experimentos com a câmera, criando efeitos interessantíssimos. Mas não tem um impacto tão profundo na narrativa nem na experiência do filme. Também há de se considerar que o início da vindoura parceria com o diretor de fotografia Christopher Doyle ocorre somente no filme seguinte. Para quem já viu outros filmes de Wong Kar-Wai, em As Tears Go By falta um jogo de cores entre as cenas. Mas uma coisa ele já demonstrava ter um grande talento.

O talento de um diretor pode ser medido, não somente pela capacidade de extrair atuações fantásticas de grandes atores, mas principalmente pela capacidade de extrair excelentes atuações de atores limitados. E em neste filme de estreia, Wong Kar-Wai conseguiu um feito incrível. No elenco está nada menos que o astro pop Andy Lau. Posteriormente, o cantor provou ser um grande ator, mas naquela época era nada além de um ator medíocre, apesar de esforçado. A sua atuação neste filme é simplesmente fantástica, sem seus habituais maneirismos irritantes, ainda mais se comparando com os outros filmes da década de 80 estrelados por ele. Outra escolha muito feliz foi da Maggie Cheung para Ngor. Para a atriz, o filme foi um marco pessoal pois foi a partir de As Tears Go By que ela viu que levava jeito para atuar. Maggie Cheung ainda voltaria a trabalhar com Wong Kar-Wai em mais quatro filmes, se tornando a musa predileta do diretor.

Outra escolha (estranha, mas para atender a interesses comerciais dos produtores) que se mostra igualmente acertada foi a inclusão do astro pop Jacky Cheung. Assim como Andy Lau, Jacky Cheung é conhecido pelas suas atuações exageradas e muitas vezes irritante. Mas nas mãos de Wong Kar-Wai, Jacky tem uma das melhores atuações de sua carreira. O seu personagem Fly é incrivelmente carismático apesar de ser extremamente importuno. Alex Man também é outro que entrega a melhor atuação de sua carreira como o antagonista de Jacky Cheung e Andy Lau.

Em sua estreia, Wong Kar-Wai dirige seu filme mais acessível. Porém o filme sofre de um grande problema, as duas tramas do filme, apesar de serem muito boas, faltam uma coesão entre elas. Ao final parece que são duas histórias distintas mesmo Wah sendo o personagem em comum. Mesmo assim, o filme foi sucesso de crítica e público, o que foi importante para que Wong pudesse prosseguir com a carreira e para que em seus filmes seguintes se estabelecesse como um dos grandes diretores de Hong Kong.

Hong Kong feelings: 3,5/5

Título original: 旺角卡門 (Wong Kok Ka Moon)

Diretor: Wong Kar-Wai

Elenco: Andy Lau Tak-Wah, Maggie Cheung man-Yuk, Jacky Cheung Hok-Yau, Alex Man Chi-Leung, Ronald Wong Ban, Kong To-Hoi, Ang Wong, Huang Pa-Ching.

3 de dezembro de 2012

Overheard (Overheard–Informações Sigilosas/2009)

overheard Daniel Wu  (esquerda), Lau Ching-Wan (centro) e Louis Koo (direita)

Dos aclamados diretores da trilogia Infernal Affairs, Alan Mak e Felix Chong retomam a parceria para mais um filme de suspense envolvendo policiais, mas que neste filme enfrentam criminosos de colarinho branco. Com uma dupla renomada de diretores e um elenco respeitável, a enorme expectativa criada sobre Overheard é mais do que justificado.

O resultado é filme comercial sólido, com boas atuações e uma narrativa com poucos tropeços. O filme colheu críticas boas em geral e foi um sucesso de público. Alan Mak e Felix Chong entregam um filme que consegue entreter com bastante tensão e algumas surpresas. Porém não espere por um novo Infernal Affairs, apesar de guardar alguns resquícios do filme mais sucedido da dupla.

A história de Overheard gira em torno de três policiais do Departamento de Crimes Comerciais (CCB) da Polícia de Hong Kong. O trabalho de Johnny (Lau Ching-Wan), Gene (Louis Koo) e Max (Daniel Wu) é de espionar a empresa E&T suspeita de manipular suas próprias ações na bolsa de valores e de outros esquemas ilegais. As câmeras e os microfones escondidos no escritório transformam o trabalho dos policiais numa espécie de Big Brother. A princípio nada de suspeito acontece, no máximo flagram um dos executivos, Sr. Low (Waise Lee), dando uns amassos na deliciosa atriz Queenie Chu. Porém quando o trio de policiais escutam sobre o esquema de manipulação das ações se sentem tentados a aproveitar para ganhar uma grana preta.

Claro que tal atitude é completamente antiético, porém cada um têm suas motivações para se inclinarem a cometer tal delito. Gene sofre de câncer terminal e, sem dinheiro, ele observa aquilo como uma oportunidade de deixar para sua família um bom patrimônio. Max se deslumbra com a possibilidade de ficar rico e logo apoio a ideia de apagar as gravações incriminadoras para tirar vantagem das informações privilegiadas. Já Johnny é um policial correto e se sente incomodado com aquela situação. Não somente pela conduta dos seus colegas, mas pelo seu próprio dilema moral: Johnny tem um caso com Mandy (Zhang Jingchu), a mulher de seu amigo e também policial Kelvin (Alex Fong).

Porém seguindo um ditado de Wall Street, não existe almoço grátis. O uso dessas informações logo trará problema para os policias. E é nesse ponto do filme que surge o vilão Sr. Ma, responsável por todas essas falcatruas e manipulações, interpretado epicamente pelo péssimo Michael Wong. É incrível como ele consegue permanecer na indústria apesar de ser muito fraco tecnicamente. Descendente de chinês, ele nasceu nos EUA. Depois de formar no ensino médio, Wong decidiu cruzar o Pacífico e tentar a sorte em Hong Kong como ator. Fluente em inglês mas não em cantonês, tal peculiaridade é sua marca registrada. Michael Wong mescla frases em chinês e inglês numa combinação bizarra, mas nunca sabemos se isso é improvisado ou faz parte embebedar os roteiristas e incluir linhas de diálogo apropriadas para o calibre do ator.

Ao menos, a atuação de Michael Wong é balanceada pela boa atuação do trio de atores principais. Louis Koo demonstra uma evolução constante e interpreta bem a fragilidade e desespero de Gene. Daniel Wu encarna perfeitamente o ingênuo policial Max. Já Lau Ching-Wan, o melhor ator disparado do elenco do filme, interpreta com bastante efetividade a ambiguidade de Johnny.

O principal defeito do filme é quando o roteiro se vê obrigado a apagar o tom cinza da narrativa para atender aos interesses comerciais. Infelizmente, a China continental se tornou o principal mercado do decadente cinema de Hong Kong e os filmes devem passar antes pela censura chinesa para que possam ser comercializados por lá. Overheard sofreu muitos problemas, inclusive obrigando os codiretores a refilmar cenas e editar outras, para atender as exigências do órgão de censura chinesa. A cena final, onde o bem triunfa sobre o mal, é ridícula, talvez até sendo, ouso dizer, uma crítica velada ao problema de censura que o filme sofreu durante a sua produção.

Hong Kong feelings: 3,5/5

Título original: 竊聽風雲 (Sit yan fung wan)

Diretor: Alan Mak Siu-Fai, Felix Chong Man-Keung

Elenco: Lau Ching-Wan, Louis Koo Tin-Lok, Daniel Wu, Alex Fong Chung-Sun, Zhang Jingchu, Lam Ka-Wah, Michael Wong Mun-Tak, Waise Lee Chi-Hung, William Chn Wai-Tung, Sharon Luk Tze-Wan, Stephen Au Kam-Tong, Queenie Chu Wai-Man, Felix Lok Ying-Kwan, Henry Fong Ping.